18.12.10

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para a Poesia Incompleta
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De entre as várias coisas que já não passam
nem acontecem na Praça das Flores, em Lisboa,
apetecia-me destacar o autocarro número 100,
a presença rígida e funâmbula de João César Monteiro,
o balcão sombrio e generoso da taberna de Dona Benilde.
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Em contrapartida, vejo cada vez mais
gente sentada a falar com um computador
no Pão de Canela, o quiosque reabriu
e vende limonadas, há uma livraria de poesia,
uma loja de chocolates, um restaurante vegetariano,
um Multibanco - tudo isto a menos de duzentos metros.
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Ontem, da porta fechada da taberna, Benilde
chamou-nos, numa loura saudação
que nos fez sentir ligeiramente culpados
e burgueses. Embora o extremínio, como é óbvio,
mantenha ainda e sempre a sua perfeita invisibilidade.
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Hoje, com a hercúlea companhia do Miguel
Martins, bebemos todo o vinho branco
que sobrava nos porões do Anarka Bar.
Não nos incomodava sequer o cheiro a tristeza,
a falta de tabaco, o ranço hospitalar do parlamento.
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Ali ao lado, discutia-se poesia, fazia-se a ética numa salada
sem tempero. era tudo o que não queríamos discutir.
Mas aguardávamos João Vuvu,nesta praça sem saída.
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[Manuel de Freitas, in Coelacanto nº 1, Dezembro de 2010]

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