27.10.10

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OS CAFÉS
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Nos café desenham os paisanos, vulgares
senhores de bagaço e genebra, raspando o mármore
entre as folhas do jornal. Morrem os cafés
com seu bilhar, bengaleiro e escarrador. Música
de rádio ainda sintoniza a serradura e os vidros
baços quando chove. Recordo cafés
da província, ou da cidade grande,
destruídos por ímpias criaturas do plástico.
Já não servem cevada ou eduardinho e o açúcar
não vem no açucareiro. Alguns ainda assinam
os jornais, o cobre limpam e pagama
os paquetes. Autorizam cauteleiros, a caixa
do engraxador, a rapariga das violetas. Violentam
os cafés aqueles da usura, ratos do cimento.
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Avesso à militança, são os cafés retrato militante
de algumas senhoras de batina e capa, entornando
no pires o leite do caniche. Alvoraçados os velhos
titilam nas retretes e os tabacos esgotam-se em suspiro.
São cafés com espelhos e amarelas luzes onde o néon
ainda não entrou. Também de padres são feitas
essas lojas; de marçanos, rapazelhos e trapistas.
Desenvolvo teorias sobre os ditos. Em tempo de ditadura
era o café a teia da intriga, o bocejar jacobino,
o guarda-chuva pingando tristes ais. Insisto pois
no rádio e radiador. Quem lembra os pianos?
Carambolas secas já cortavam o fumo dos charutos;
no marcador quinze de partido; na mesa ao fundo,
igual à história antiga, dois jogadores de xadrez ou de gamão.
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[Eduardo Guerra Carneiro, in Contra a Corrente, & etc, 1988]

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