15.9.09

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INTERVENÇÃO

Antigamente, tinha demasiado respeito pela natureza. Punha-me à frente das coisas e das paisagens e deixava-as estar.
Acabou-se, a partir de agora intervirei.
Estava em Honfleur e aborrecia-me. Então, decididamente, pus lá camelos. Pode não parecer o mais apropriado. Não interessa, era essa a minha ideia. De resto, executei-a com a maior das prudências. Comecei por introduzi-los nos dias de grande afluência, ao Sábado, na praça do Mercado. O engarrafamento tornou-se indescritível e os turistas diziam: «Ah! Fede que tresanda! Que porcas são as pessoas aqui!» O cheiro chegou ao porto e começou a competir com o dos camarões. Saía-se da multidão cheio de pó e de pêlos e não se sabia de quê.
E, à noite, só queria que ouvissem o som das patas dos camelos quando eles tentavam passar pelas comportas, gong! gong! gong! no metal e nas tábuas!
A invasão dos camelos fez-se com continuidade e determinação.
Já se começava a ver os Honfleurenses a semicerrarem os olhos a toda a hora com aquele olhar desconfiado tão característico dos cameleiros quando inspeccionam a caravana para ver se não falta nada e se podem seguir caminho; mas tive de sair de Honfleur ao quarto dia.
Lancei também um comboio de passageiros. Partia a toda a velocidade da Grand’Place, e avançava decididamente para o mar sem se importar com o peso do material; deslizava em frente, salvo pela fé.
Foi uma pena ter de me ir embora, mas duvido muito que a calma volte rapidamente àquela pequena cidade de pescadores de camarões e mexilhões.
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[Henri Michaux, in Antologia, Relógio D’Água, 1999]

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