24.5.08

A Feira do Livro por Irmão Lúcia

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eu cá gosto do sobe e desce
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"já farta tanta verborreia a propósito da feira do livro, associações de discurso imobilista de um lado, pantagruéis forrados de dinheiro do outro, estes agora também admitidos à mesa das negociações canibalizando assim a associação que os representa, o que não vale um bom chumaço de euros enfiado nas calças, isso que trazes aí é o poder negocial da leya ou estás só contente por me veres, e vão-se sucedendo reuniões, prazos, comunicados, se deles dependesse a imprensa escrita então pobre amazónia, já estava transformada num eucaliptal que suportasse tanto press release, e o povo lisboeta a ver a banda passar, ou melhor, desafinar, lançados à sorte de uns termómetros das nossas vontades que resolveram dizer que não gostamos das barracas, nem do sobe e desce, do ar livre, do parque como ele é, pois eu cá gosto dele, de visitá-lo dias a fio só com o pretexto de procurar uns saldos ou um livro do dia que me console, de beber uma imperialucha sentado numa cadeira de plástico no topo do parque, de ver os últimos jacarandás em flor que ainda valem a pena um vislumbre, e há mais gente que gosta disto, a minha mulher, por exemplo, a sara figueiredo, o zé mário silva, seremos mais aposto, que preferem não deixar o parque entregue ao putedo e ao restaurante eleven, descubram-se as diferenças, diz que um serve melhores perdizes em cama de massa folhada do que o outro, adivinhem vocês qual, dizia, gosto da errância do parque, do ar livre, e dispenso tendas de circo e animo-promos com colunas a bombar em volume indecente, give ears a chance, e por favor não me venham com o graal do espaço fechado e suypostamente digno, sempre prefiro o cheiro a farturas do que o cheiro a alcatifas, tudo muito higienizado e lavadinho, sem planos inclinados que o povo tem medo de torcer o pezinho. já estou a imaginar, um grande pavilhão com ar condicionado, hospedeiras de portugal a massajarem os livros do dia, e tudo cheio de barracas garridas e som centralizado, as odes de píndaro ao som de celine dion, o livro do desassossego embalado pelo bryan adams, um sonho, painéis tácteis, plasmas e eu com saudades da erva e do calor, tenham paciência, de vez em quando lateja-me a veia freak-com-rasta-guizos-e-cães, gosto de lisboa em espaço público, com imperfeições, pois claro, e já agora com uma câmara municipal que não ande com os nervos em frangalhos graças a uma tesouraria arruinada, disposta a alinhar com o clima de guerra civil e dirigida por um presidente que a esta hora já deve estar arrependido de ter saltado do governo, afinal por lá fuma-se onde (não) se pode e a oposição atura-se melhor que estes pseudo-organizadores de "eventos", a feira do livro não é só um "evento", caralho, para mim ainda é mais do que isso, tem o tal de interesse público inerente, aquele que a cml quer esquecer dada a ausência dos consagrados quando seria talvez mais importante garantir que o juan rulfo, o bruce holland rogers ou o joão tordo sejam lidos por mais gente, e por falar em autores, onde andam as vozes de quem escreve? dos autores nem um pio, nem sequer desses que constituem o "interesse público", o que para mim é deveras estranho, botam faladura a propósito da palestina e de israel, da guerra colonial, da história à portuguesa, de distopias e do regime cubano, da amizade com A grande e mitificado, do livro que se escreve a si próprio e de outras falsas modéstias e quanto à feira nem uma palavra, nem um chilreio, em entrevistas adopta-se a postura agarrem-me que me vou embora se não me tratam nas palminhas mas pelos vistos há mais quem concorde com o maravilhoso mundo das alcatifas e das tendas de circo, trapézios onde se possa balançar o ego e rir dos idiotas como eu que lambem os beiços com churros e promoções. dizia o outro que quando quiserem compará-lo com outros arranjem alguém da altura dele. pelos vistos não é preciso subir muito alto."
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[Pedro Vieira, post no Irmão Lúcia]

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