23.10.07

A disneylandização da cidade

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“A Zara de um lado e a sueca H&M disputam o mercado do giro-para-esta-semana, a Fnac vende livros que sei lá, agências de viagens prometem Cuba sem que se veja comunismo, a velha fábrica de mostarda também vende massa para cozer num minuto, as pizzarias sucedem-se, Massimo Dutti aqui, Springfield ali.
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Limpa, esta cidade esqueceu. Não o século XIV que continua a cobrar, renovadinho, para reformados, nem o século XVII, que especula no imobiliário. Mas esqueceu a sua vida, os seus amores e crimes, o bulício; as suas nódoas foram desinfectadas, espurgadas, rasuradas. Ouve-se Nelly Furtado pela rua. Uma mansa (violenta porque mansa) disneylandização rasurou a cidade para vender aos turistas que lá vão, hora a hora, do Van Eyck à Pizza Hut.
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Também quando, no outro dia, disse ao Miguel Borges: “encontramo-nos na esquina do Condes”, ele olhou para mim, olhou e disse “Onde?” como se eu fosse marciano.
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E é isso mesmo: fiquei marciano.
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É que também a “minha cidade” (a da esquina do Condes, do Monte-Carlo, do Monumental) já naufragou.”
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[Jorge Silva Melo, in Século Passado, Cotovia, 2007]

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