8.6.07

Os Livros no Parque: Hélia Correia

Temo às vezes que as árvores não pensem bem dos livros, que neles se vejam mortas. Depois lembro que os próprios seres humanos se consolam, prevendo as flores que hão-de nascer das suas cinzas. Posso então concluir tranquilamente que, quando as duas criações, plantas e escrita, ocupam um só espaço, isso se faz em pleno assentimento e harmonia.
Mesmo a palavra «feira» retoma o seu encanto de coisa medieval, desprotegida. Com mais um bocadinho de liberdade, existiriam cestos e pregões. As pessoas retomam os passeios do fim de tarde, como os há nos livros de Eça. E parece que saem desses livros. Se não ouvimos já o roçagar das vestes femininas pelo chão, podemos, no entanto, conhecer, por uma vez, esse rumor de gente, a exclamação de encontros inesperados. Será mesmo provável que as crianças se sujem ao rolarem sobre as ervas o que, para os lisboetas, começou a tornar-se difícil e precioso. O calor puxa os cheiros vegetais. E até a minha chuva, a mal amada, desce para criar simulacros de perigo, e as pessoas defendem as cabeças com os sacos das compras que fizeram. Deve-se isto à feliz inexistência de tectos e paredes. E não é uma dívida pequena.
A argumentação que mão me interessa, a da centralidade do lugar e do maior sucesso nos negócios, que a façam os peritos, os que vendem. Tendo eu, como a Lou Andreas-Salomé, dificuldade em distinguir livros de flores, sinto-me bem nesse lugar comum. O que vai ler caminha no jardim, o que vai caminhar passa entre livros.
Há uma ausência de especialização que vive aqui os últimos momentos e que queria durar um pouco mais.
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[in Os Livros no Parque, editoras Afrontamento, Antígona, Assírio & Alvim, Climepsi, Cotovia, Meribérica-Liber, Relógio D’Água e Teorema, 2004]

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